quinta-feira, 7 de abril de 2011

ANALISANDO ANDRADE


Hoje o ensaio fica por conta da acadêmica Sarah Fernanda de Carvalho, do 2° ano de Letras (2010): uma leitura a partir das aulas na disciplina de Literatura Brasileira II.

As várias faces de Mário de Andrade

Mário Raul de Moraes Andrade nasceu no dia 9 de outubro de 1893, na cidade de São Paulo. Foi professor, crítico, poeta, contista, romancista e músico, formou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, passando a lecionar neste mesmo local posteriormente. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.

Durante sua trajetória, Mário de Andrade fundou a Sociedade de Etnografia e Folclore e também passou por vários cargos públicos; entre estes, foi diretor do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo. Morreu em São Paulo no ano de 1945.
Ao analisar o livro “Os melhores contos de Mário de Andrade”, seleção de Telê Ancona Lopez, nota-se uma bi-divisão: a primeira parte – Belazarte (que tem uma grande preocupação com o outro) e o Compartir, no qual Mário é apenas o intermediador, o contador das histórias, e, como já diz o ditado “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Nessa primeira parte, a denúncia de problemas sociais alia-se à análise da problemática existencial das personagens, há um experimentalismo linguístico: a linguagem é modificada dependendo das questões, para cada situação é utilizada um tipo de linguagem (isso fica evidente no conto “Piá não sofre? Sofre”, onde Paulino – o piá sofredor - narra os acontecimentos. Mário utiliza a linguagem e a mentalidade de uma criança). Ocorre também a junção do lirismo com a crítica social: é um exercício estético para trazer esses “mundos” para o leitor. Esse exercício pode ser visto no manifesto “A Escrava que não era Isaura”, publicado 1925. Nesse manifesto, Mário trabalha com o lirismo, juntamente com a crítica que resulta na poesia. O lirismo é subjetivo, vem do subconsciente. É realizado um novo exercício de liberdade em que primeiro é feita a liberação do subconsciente e depois vem a crítica (é desenvolvida a fórmula de Paul Dermeé).
Em alguns contos da primeira parte da seleção de Telê Ancona Lopes, fica nítida a presença da linguagem social, abrasileirada, a crítica aos modelos tradicionais. Mário dita essas regras em “Prefácio Interessantíssimo”, publicado em “Paulicéia Desvairada”, 1922. Nesse prefácio, que foi o marco para o Modernismo, Mário propõe uma nova maneira de enxergar a arte: construída sob o signo da ambiguidade – destruição/construção (passado e a consciência do presente). Mário trata também os dogmas sociais como o homossexualismo (especula-se que Mário era homossexual) e os valores da cultura brasileira – já que era um pesquisador exímio do folclore Brasileiro. No conto “O Besouro e a Rosa”, que tem como temática o subúrbio de São Paulo, as personagens não sabem expressar seus sentimentos e são infelizes. A personagem principal, Rosa, não tem entendimento da vida. Logo após o ataque do tal besouro (que pode até ser metafórico, pode ser um ladrão, por exemplo), desperta Rosa para a sensualidade: ela passa a enxergar os homens com outros olhos e fica obcecada em arranjar um marido para não terminar seus dias como as tias infelizes e solteironas. Nesse conto Mário faz uma critica à sociedade repleta de tabus, sem fundamentos. Rosa acaba se casando com um bêbado que não lhe proporcionará felicidade alguma. O conto acaba assim: “Rosa foi muito infeliz”, dessa maneira o autor quebra a fórmula dos romances e contos de fadas.
No conto “Caim, Caim e o Resto”, Mário relata um conflito familiar. Mostra o quanto a falta de diálogo é prejudicial nas relações, trabalha a questão da inimizade entre irmãos, a religiosidade nula e o tabu que é mais forte do que qualquer sentimento. No desenrolar do conto aparecem vários traços exteriores típicos da vida ítalo-paulista – como os nomes dos jogadores do Palestra Itália, por exemplo. Esses aspectos emergem do lado artístico (musical) dos italianos e da índole impulsiva. Em “Nelson”, são levantadas questões como a curiosidade alheia, a pobreza, o complexo de inferioridade que o personagem principal – Nelson - possui. Nesse conto, Mário reage ao nacionalismo de fachada. “Foi sonho” é um conto argumentativo no qual não existe narração, que fala da força do ‘garanhão’ – macho - e da coisificação da mulher que é objeto de posse do homem, a condição da mulher de ser ‘coisa’ foi apenas um sonho. O machismo é aceito, porém o dogma social do homossexualismo, por exemplo, não é aceito pela sociedade. Nesse conto existe a polifonia, da qual Mário fala no manifesto “A escrava que não é Isaura”. Essa polifonia diz respeito à sonoridade e não é medida por regras, mas é percebida na leitura.
Na segunda parte da seleção de Telê, Juca Belazarte apresenta preocupação com o outro e Malazarte consigo – consciência. Os contos são extremamente intimistas, em tom psicológico. Mário baseia-se na Teoria dos Sonhos de Freud e centra-se no eixo de individualidade de Juca, protagonista-narrador. Através de evocação memorialista, em profunda introspecção, ele vai relembrando a infância, adolescência e o início da vida adulta. Em “Túmulo, túmulo, túmulo” Mário fala dos laços financeiros e critica as pessoas que, quando possuem dinheiro, gastam tudo de uma única vez. É feito um jogo do narrador de ficção juntamente com biografia (Juca é Mário); esse jogo de narrador e personagem é muito comum no texto Machadiano. “Frederico paciência” fala da amizade com conotação homossexual de dois adolescentes que tentam encontrar justificativas para esse vínculo e se rebelam contra as convenções impostas pela sociedade. Nisto é feito o desfilamento do homossexualismo, que é colocado como um sentimento puro e delicado. Nesse conto o ficcional é ultrapassado, pois os sentimentos são colocados em questionamento. Esse conto remete ao conto “Uma amizade sincera”, de Clarice Lispector, que conta a história de dois amigos que acabam tendo que se separar, porém continuam ligados por um laço invisível: o de uma amizade sincera. Em “Tempo da Camisolinha”, Juca relembra os tempos da sua primeira infância: nesse conto Mário mostra que a criança tem, sim, noção de sensibilidade e fala também do gesto de doação.
No que diz respeito às personagens, pode-se perceber no decorrer dos contos que o retratado é sempre transformado. Os contos da primeira parte abordam personagens de densidade psicológica e a relação conturbada do homem com o mundo. Os contos da segunda parte - centrados em Juca – procuram promover uma interiorização de temas sociais e familiares. Uma coisa é certa: Mário quer ir além de discutir as tramas dessas personagens.
Todos os contos centram-se nos paradigmas ditados por Mário em “Prefácio Interessantíssimo”, que lança as bases estéticas do Modernismo, retomadas e aperfeiçoadas em “A escrava que não é Isaura”. Neste último, expõe suas ideias a respeito da poesia e o rompimento dos padrões estéticos com a chegada das Vanguardas Europeias. Segundo Mário, a beleza pode impressionar tanto quanto o feio. Essa é uma característica do Expressionismo.
De forma magistral, Mário de Andrade traz da Europa para o Brasil a Literatura Expressionista.
Para definir esse autor multifacetado basta ler esse poema em que o próprio Mário se define:
“Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquisila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar de uma vez:
E só tirar a cortina
Que entra luz nesta escuridez.”

(Mário de Andrade in A Costela de Grão Cão).

Referências:
ANDRADE, Mário de. Melhores contos de Mário de Andrade; seleção de Telê Ancona Lopes. 8ª Ed. – São Paulo: Global, 2000;
ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura . São Paulo: Lealdade, 1925;
ANDRADE, Mário. Prefácio interessantíssimo. Paulicéia desvairada. In: ______. Poesias completas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1966.

Sites:
http://www.nilc.icmc.usp.br (Acessado em 20/06/2010 ás 18h00min);
http://www.forumlitbras.letras.ufrj.br (Acessado em 25/06/2010 ás 17h30min);
http://www.releituras.com/ (Acessado em 30/06/2010 ás 13h00min).

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