domingo, 27 de março de 2011

A língua: um fenômeno.

Boa tarde!

O Projeto "Leitura e produção literária no espaço universitário" PIBIC/PMUC - Prêmio Mérito Universitário, desenvolvido pelo acadêmico Alcione Amaral Junior, inaugura com a seleção de produções do 2º ano de Letras da UNIVILLE - Universidade da Região de Joinville.

O texto que segue é uma análise do conto "A Imitação da Rosa", do livro "Laços de Família", de Clarice Lispector, produzida a partir da teoria de Mikhail Bakhtin, proposta no texto "O discurso dialógico".

A autoria é dos acadêmicos Fernanda Montibeller, Isabele Buss Meurer, Janaína Boing da Rocha, Jean de Borba e Tauann Calil Medeiros. Vale a pena conferir.


MERGULHANDO NAS VOZES DO DISCURSO

Partindo da teoria proposta por Bakhtin, analisamos o texto de Clarice que, enquanto texto dialógico, nos permite explorar e identificar inúmeros fenômenos provenientes deste tipo de texto. A análise não pode ser puramente linguística, por isso partimos da metalinguística, que seria a língua viva e concreta, ultrapassando os limites da linguística, portanto extraliguístico.
O texto a ser analisado é considerado um discurso bivocal, já que as ideias e pensamentos do autor se juntam às de outros personagens.
O discurso dialógico nada mais é senão várias vozes dialogando no texto sobre as verdades e as hipóteses deste.
No trecho “... Sorriu pensativa: Carlota estranharia que Laura, podendo trazer pessoalmente as rosas, já que desejava presenteá-las, mandasse-as antes do jantar pela empregada. Sem falar que acharia engraçado receber as rosas, acharia 'refinado'...
- Essas coisas não são necessárias entre nós, Laura! diria a outra com aquela franqueza um pouco bruta, e Laura diria num abafado grito de arrebatamento:
- Oh não! não! não é por causa do convite para jantar! É que as rosas eram tão lindas que tive o impulso de dar a você!"
Percebemos neste trecho que há um discurso parodístico, já que ocorre na fala uma ironia, em dizer “não precisava”, “não é por causa do jantar”. Portanto, este discurso é empregado com significado contrário ao realmente pensado.
Também é identificada a “língua falada”, doravante denominada skaz, observemos: “Oh não! não! não...”, “... tive o impulso de dar a você”.
No trecho, “...E mesmo podia ficar com elas pois já passara aquele primeiro desconforto que fizera com que vagamente ela tivesse evitado olhar demais as rosas.
Por que dá-las, então? lindas e dá-las? Pois quando você descobre uma coisa boa, então você vai e dá? Pois se eram suas, insinuava-se ela persuasiva sem encontrar outro argumento além do mesmo que, repetido, lhe parecia cada vez mais convincente e simples. Não iam durar muito — por que então dá-las enquanto estavam vivas? O prazer de tê-las não significava grande risco — enganou-se ela — pois, quisesse ou não quisesse, em breve seria forçada a se privar delas, e nunca mais então pensaria nelas pois elas teriam morrido — elas não iam durar muito, por que então dá-las?"
Este trecho especifica e demonstra o fenômeno do discurso velado, em que o discurso do autor está se diferenciando do discurso do outro, e é neste ponto que se dá o diálogo, já que os dois discursos dialogam orientados para o mesmo objeto, porém com vozes contrárias.
O discurso da autora neste e em outros trechos destes contos choca-se com o objeto e com a voz do outro, portanto “ataca”, de certa forma, este outro discurso.
“Se o médico dissera: 'Tome leite entre as refeições, nunca fique com o estômago vazio, pois isso dá ansiedade' — então, mesmo sem ameaça de ansiedade, ela tomava sem discutir gole por gole, dia após dia, não falhara nunca, obedecendo de olhos fechados, com um ligeiro ardor para que não pudesse enxergar em si a menor incredulidade. O embaraçante é que o médico parecia contradizer-se quando, ao mesmo tempo que recomendava uma ordem precisa que ela queria seguir com o zelo de uma convertida, dissera também: 'Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir — esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade'": o fenômeno identificado neste trecho é o incherzählung, pois um segundo discurso é influenciado pelo primeiro discurso, que logo em seguida se transforma a partir do que considera este mesmo discurso.
Um mesmo personagem apresenta dois discursos contrários ao seu próprio discurso, o que é, segundo a teoria de Bakhtin, considerado como o fenômeno da paródia, que são vozes contrárias dentro de um mesmo texto.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail; PROBLEMAS DA POÉTICA DE DOSTOIÉVSKI; Ed. Forense; 1981

DOSTOIÉVSKI, T. MEMÓRIAS DE SUBSOLO. São Paulo. Sem data

CINTRAN, Ismael Angelo. DISCURSO POLIFÔNICO EM VIDAS SECAS. São Paulo.
1993

LISPECTOR, Clarice. OS LAÇOS DE FAMÍLIA. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 2009

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